Vender a alma é um mau negócio
(originalmente publicado em inglês no The Systems Thinker em 08/2004)
Em tempos difíceis, as corporações – isto é, suas pessoas – tendem a vender suas almas. As pessoas colocam de lado quem elas realmente são, o que é mais importante para elas, o que elas realmente gostariam de criar, e começam a fazer coisas que elas antes condenavam e agora justificam como “mal necessário” – tudo em nome dos resultados de curto prazo para manter ou recuperar a competitividade.
Usualmente isso começa com o CEO. Pressionado pelas demandas dos acionistas ou expectativas dos analistas de mercado, os CEOs sacrificam suas vidas pessoais e sua visão de um ambiente de trabalho energizado e auto-motivado. Trabalham mais de 60 horas por semana e, aberta ou tacitamente, ameaçam seus executivos a fazer o mesmo, exigindo que todos produzam mais com menos. A equipe executiva, por sua vez, repete este comportamento com a equipe gerencial, o que então desce em cascata até a linha de frente. Na empresa como um todo, demandas, controles e tensão aumentam. Resultados, não necessariamente. Comprometimento, energia e criatividade – estes certamente diminuem.
Executivos justificam que atropelam a si mesmos e aos outros porque os resultados (lê-se financeiros) estão no topo da lista – tudo deve se subordinar a eles. Porém, privilegiar os resultados financeiros não é o único bandido da história. Almas são atropeladas por causa de um pressuposto da cultura ocidental que, de tão forte e onipresente, é difícil de ser percebido: as pessoas acreditam que têm que trabalhar mais duro para produzir melhores resultados. Isto não é verdade. Trabalhar mais duro tende a produzir mais – mas mais do mesmo. Se as empresas querem aumentar sua competitividade, elas não precisam trabalhar mais duro, mas mais inteligentemente. Esta é a única forma de constantemente se criar o novo – novos produtos e serviços, novas estratégias, novos processos e uma nova cultura organizacional – para vencer no mercado.
Alimentando a Alma
Mas as condições profissionais não costumam apoiar o trabalhar mais inteligentemente. Edward Deming, pioneiro da qualidade, costumava dizer que nosso sistema de gestão predominante é baseado no medo. Medo do fracasso, medo de sentir vergonha, medo de não conseguir a promoção desejada ou de ser demitido. O medo é a “e-moção” dominante – a principal fonte de energia, de predisposição à ação. Entretanto, quando um ser humano está com medo, o que podemos prever sobre seu comportamento? Será inovador ou habitual? Habitual, claro! Em um estado de medo, nós voltamos, quase sempre, a nossos padrões mais habituais. Neurofisiologistas explicam que a parte mais primitiva do cérebro passa a dominar – a extensão da coluna vertebral chamada de “cérebro reptiliano”, onde está nossa programação “lutar ou fugir”.
Por que a gestão pelo medo ainda persiste e o que poderia substituí-la? O trabalho clássico de Douglas McGregor, O Lado Humano das Empresas, traz uma resposta: a maioria das organizações ainda funcionam tendo como premissa o que ele chamou de Teoria X – “os funcionários não são confiáveis e não tem comprometimento, só estão em busca do contracheque no fim do mês”. A Teoria Y, entretanto, dá às organizações outra possibilidade – “os funcionários são adultos responsáveis que desejam contribuir com algo significativo”. Com esta nova forma de pensar, o medo deixa de ser a única fonte de ação. A outra fonte – que pode ser muito melhor do que o medo – é a aspiração.
Aspiração é melhor que o medo porque o primeiro é um sentimento positivo, enquanto o segundo é negativo. O raciocínio é simples: pensamento é energia, energia é vibração, e vibrações semelhantes se atraem… Como várias tradições esotéricas têm dito por um longo tempo, nossos pensamentos e palavras também criam nossa realidade (e não somente nossas ações). Parece esotérico demais para você? A física quântica e outros campos da ciência têm se empenhado para nos convencer. Considere, por exemplo, o experimento do pesquisador japonês Masaru Emoto. Ao fotografar cristais de água recém-formados, ele mostrou que a água responde a nossos pensamentos e palavras. Água coletada da mesma fonte ao mesmo tempo, quando submetida a palavras e sentimentos positivos (como “obrigado”), cristalizam produzindo lindos cristais simétricos, enquanto, por sua vez, quando submetida a palavras e sentimentos negativos (como “odeio você”), produzem feias manchas sem forma. Lembrando que nosso corpo é 65% água, quais serão os efeitos do medo constante…
Executivos podem aprender muito com esportistas e artistas neste sentido. Com bastante pragmatismo, pergunte a um atleta o que usualmente acontece quando ele ou ela repete mentalmente “não posso errar” ou “não posso falhar” antes ou durante seu desempenho, em comparação a repetir “acertarei” ou “conseguirei”. Pensar sobre o que você quer criar funciona muito melhor do que pensar sobre o que você quer evitar. Picasso disse: se você estuda a história da criação de qualquer grande obra de arte, seu momento crucial foi quando o artista teve a visão do que seria criado. Por que nos negócios seria diferente? Ser capaz de articular o que nos importa profundamente é uma fonte de energia muito poderosa – e muito mais efetiva que o medo. Como diz o velho ditado, “os sonhos são o alimento da alma”.
Acessando a Alma
Visualizar o que é que nós queremos criar não significa escaparmos da realidade. A vida só acontece no presente, que é cheio de situações desafiadoras. Mas, novamente, o medo não é a melhor estratégia para enfrentar as dificuldades. Veja as artes marciais, por exemplo. É fácil reconhecer que profissionais das artes marciais estão constantemente vivendo situações difíceis. Mas o que eles fazem? A essência das artes marciais é desenvolver a capacidade de estar cada vez mais centrado e relaxado em situações cada vez mais perigosas. Eles sabem que assim podem produzir os melhores resultados.
Há vários anos, a Sociedade para a Aprendizagem Organizacional (Society for Organizational Learning – SOL), com sede em Boston nos EUA, conduziu um projeto de pesquisa entrevistando mais de 150 líderes das ciências, das artes, dos governos, dos negócios e das religiões. Uma das conclusões deste projeto é que o lugar interno à partir do qual o líder opera importa. Em outras palavras, a qualidade da consciência determina a qualidade do desempenho.
Se você está pensando “essas idéias estão longe demais da minha realidade”, reflita por um momento sobre as melhores decisões que você já tomou na sua vida, pessoal ou profissional. Agora lembre onde você estava quando tomou essas decisões. Você estava no escritório, sentindo-se estressado ou desesperadamente buscando uma resposta para seus problemas? Acredito que não. Ou você estava tomando banho para relaxar, ouvindo música enquanto dirigia, apreciando a natureza ou observando seus filhos? Aposto que sim.
Aprendendo com as artes novamente: quando Leonardo da Vinci pintava A Última Ceia, ele intercalava períodos de trabalho intenso sobre o andaime com longas pausas, em qualquer horário, quando ficava perdido em seus pensamentos. O prior da igreja Santa Maria delle Grazie, impaciente para ver a obra terminada, foi reclamar com o Duque, argumentando que, a exemplo dos trabalhadores que capinavam o jardim, ele gostaria que da Vinci nunca depusesse o pincel durante o horário de serviço. Leonardo da Vinci entendia que precisava desses momentos de incubação para produzir o seu melhor, e convenceu o Duque de que “os grandes gênios às vezes realizam mais quando trabalham menos”.
Diferentes campos do conhecimento têm explicações alternativas para tudo isto. Neurocientistas diriam que nosso inconsciente processa informações, em quantidade e velocidade, milhares e milhares de vezes superior ao nosso consciente. Quando desligamos a mente consciente, permitimos que o inconsciente trabalhe melhor e, de repente, quando não estamos “pensando” sobre um problema, a resposta vem a nós. Líder espirituais, por sua vez, diriam que, ao silenciarmos nossa mente, acessamos nossa alma, trazendo à tona nosso pleno potencial e as melhores respostas para tudo.
Conectando Almas
Embora o desempenho dos indivíduos seja importante, as empresas dependem cada vez mais das decisões e ações feitas em equipe. Aqui, novamente, os negócios podem aprender com os esportes. Equipes esportivas com alto desempenho muitas vezes se percebem no que é chamado em inglês de estar “in the zone” – a experiência de um pico de desempenho extraordinário, quando há “algo diferente no ar”.
Bill Russell, a principal estrela do time de basquete americano Boston Celtics que foi campeão 11 vezes nas décadas de 50 e 60, falava sobre aqueles momentos especiais quando o jogo se tornava “mágico”: “De vez em quando, uma partida dos Celtics esquentava tanto que se tornava mais do que um jogo físico ou mental, e era mágico. Aquele sentimento é muito difícil de descrever, e certamente nunca falei disso enquanto jogava. Quando acontecia, eu podia sentir que meu jogo ía a um novo patamar. Vinha raramente, e durava qualquer coisa entre 5 e 15 minutos, ou mesmo mais… Envolvia não somente a mim e os outros jogadores do Celtics, mas também os jogadores do outra equipe e até os juízes”.
O pesquisador Carl Larson da Universidade de Denver nos EUA, estudando inúmeros tipos de equipes de alto desempenho – como cirurgiões cardíacos, bombeiros, astronautas, advogados e equipes de empresas – encontrou o mesmo fenômeno descrito em termos diferentes: a atmosfera da sala tornava-se “eletrificada”; parecia haver uma “mente grupal” ou “sabedoria coletiva”; as pessoas “completavam as frases uma das outras”; experimentava-se a sensação de ser ”uma parte consciente de um todo ainda mais consciente”; e a experiência de uma “luminosidade transparente” entre todos os participantes. Você também já não se sentiu assim em algum momento de criação coletiva?
David Bohm, famoso físico quântico, explicava este fenômeno como a formação de “uma inteligência única”. Se você quer uma prova científica de que esta “mente única” pode existir, considere o experimento feito pelo neurofisiologista mexicano Jacobo Grinberg-Zylberbaum. Duas pessoas meditam juntas durante 20 minutos, com o objetivo de sentirem a presença uma da outra. Elas então entram em câmaras de Faraday diferentes (“gaiolas” metálicas que bloqueiam qualquer sinal eletromagnético de entrar ou sair) enquanto se mantém “conectadas” durante o experimento. Para um dos sujeitos agora são mostrados flashes de luz que produzem respostas cerebrais eletromagnéticas, medidas por uma aparelho. Surpreendentemente, em aproximadamente uma a cada quatro vezes, embora nenhum sinal eletromagnético tenha sido transmitido entre os dois cérebros, o cérebro não estimulado também apresenta uma atividade elétrica muito semelhante ao primeiro, na sua forma e intensidade. Sujeitos de controle que não participaram da meditação e sujeitos que, pelas suas próprias palavras, disseram não atingir ou manter uma “conexão”, nunca apresentaram qualquer reação.
Na minha experiência como facilitador, já testemunhei vários grupos em empresas experimentando este tipo de conexão especial – e, consequentemente, um desempenho extraordinário. A “porta de entrada” para isto foi, na maioria das vezes, pessoas falando abertamente e ouvindo profundamente – ou, como prefiro dizer, falando e ouvindo com o coração. Como muitas culturas antigas acreditavam, o coração é a estação transmissora da alma…
Pare de vendê-la e comece a utilizá-la
Todos nós reconhecemos que os campos gravitacional e magnético, apesar de invisíveis e intangíveis, existem e que influenciam o funcionamento de nossos cérebros e corpos. Isto é tão óbvio que nunca pensamos sobre eles. Executivos e gerentes, agora, precisam também aprender a reconhecer um outro campo de força de natureza similar: o campo energético da organização, criado pelos pensamentos e emoções, pelos relacionamentos e pelo ambiente físico da empresa.
Este campo, de natureza social, é uma força poderosa que, apesar de invisível e intangível, influencia muito a qualidade dos resultados de curto e longo prazo. Peter Drucker disse certa vez que, ao ser convidado a trabalhar para uma nova empresa, quando passava pela porta ele percebia em dois minutos se aceitaria a empresa como cliente ou não – ou seja, se a empresa tivesse um campo energético ruim, nem a sabedoria de Peter Drucker poderia ajudar…
Vender a alma cria campos energéticos negativos. Pare com isso. O que você recebe em troca não vale à pena, pois não é a estratégia que produz os melhores resultados possíveis, mesmo no curto prazo. Peter Senge nos provoca: não é esquisito, e até bizarro, que nós consideremos experiências como alegria, exaltação e paz como incomuns (ou até proibidas em certas empresas!), algo que precisa ser explicado por circunstâncias externas, e, ao mesmo tempo, definimos ansiedade, medo e tristeza como normais? Isto é um testamento da era industrial. Não temos idéia do preço que pagamos e continuamos a pagar por vendermos nossas almas.
Existe uma estratégia alternativa: comece a utilizá-la – alimentando, acessando e conectando. Isto sem dúvida produzirá resultados melhores em todos os sentidos. Como o consultor Joseph Jaworski diz, “qualquer um que entra no vestiário de um time campeão sente a energia, a excitação, a confiança mútua e o extraordinário senso de possível”. Por que você não pode produzir resultados como um time campeão e ter este mesmo sentimento ao entrar no seu escritório ou fábrica? É possível, se você trouxer sua alma para a jornada.
