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"Foi o trânsito" ou "Me planejei mal"?:
Uma pequena frase de enormes consequências
 

A vítima se condena

 

Quando as pessoas chegam atrasadas a uma reunião, como a maioria se explica? “Foi o trânsito”, não é mesmo?

Quando pensamos, sentimos ou dizemos como explicação que “o trânsito estava horrível”, o que estamos fazendo é colocar a responsabilidade do nosso desempenho ruim em fatores externos a nós. Apesar de ser algo que muitos de nós faz corriqueiramente, esta abordagem tem sérias consequências de médio e longo prazo que falhamos em perceber.

 

Quando colocamos a responsabilidade pelo desempenho ruim passado em fatores externos, também abrimos mão da capacidade de melhorar o nosso desempenho futuro. Ao dizer à nossa mente “a responsabilidade não é minha”, ela se acomoda. E isto quer dizer que chegaremos no horário na próxima reunião somente se o trânsito estiver bom, isto é, nosso desempenho não depende mais de nós. Este comportamento de nos colocarmos como vítima de uma situação é o que verdadeiramente nos condena.

 

A vergonha do erro

 

Apesar das consequências tão desastrosas para nosso desempenho futuro, por que continuamos a agir como vítimas quando nosso desempenho fica abaixo do esperado? A resposta começa na infância, quando aprendemos que o culpado vai para cadeia, enquanto o inocente vai para casa. Por isso nos esforçamos tanto para parecer – e acreditar que somos – inocentes, independentemente do que de fato tenha ocorrido.

 

Desviamos a responsabilidade para longe de nós para tentar evitar a dor da vergonha. Como definido pela pesquisadora Brené Brown em seu livro Daring Greatly (Gothan Books, 2012), vergonha é um sentimento ou experiência de dor intensa ao se acreditar que somos errados e portanto não merecedores de conexão e amor. Vergonha é universal e uma das emoções mais primitivas que experimentamos, pois é da natureza humana querermos nos sentir merecedores de pertencimento.

Como é possível então assumirmos a responsabilidade por nossos erros sem acharmos que o nosso valor intrínseco está em jogo? Para isso, precisamos mudar uma crença básica que funciona em nós de maneira inconsciente: a crença de que nossa inteligência e jeito de ser são características fixas em nós.

 

Seres estáticos ou em transformação?

 

Carol Dweck, psicóloga americana, fez uma descoberta quando pesquisava sobre as diferentes formas das pessoas lidarem com o fracasso. Dezenas de crianças eram convidadas a resolver uma espécie de quebra-cabeça. No começo os desafios eram fáceis, mas iam se dificultando ao longo da pesquisa. De repente ela se surpreendeu ao perceber uma diferença entre as crianças, à medida que os problemas ficavam mais difíceis – havia aquelas que sorriam, esfregavam as mãos e exclamavam “adoro um desafio!”, enquanto outras ficavam de cara amarrada e reclamavam “esperava que isso fosse servir para alguma coisa”. Enquanto alguns se aborreciam com o fracasso, outros nem achavam que estavam fracassando – eles achavam que estavam aprendendo. 

 

Essa surpresa levou a novas pesquisas que resultaram no livro Mindset – The New Psychology of Success (no Brasil, publicado como Por que algumas pessoas fazem sucesso e outras não, Editora Objetiva, 2008). Carol Dweck defende que existe um aspecto do nosso modelo mental que é o mais poderoso de todos, que é o que mais influencia a nossa vida profissional e pessoal, que é o motivo de algumas pessoas alcançarem o seu pleno potencial e outras não – se temos o que ela chama de uma “Mentalidade de Crescimento” ou uma “Mentalidade Fixa”.  

 

Macaco velho não aprende truque novo

 

A Mentalidade Fixa é a crença de que a nossa (e/ou a dos outros) inteligência e personalidade são fixas. Nesse modelo mental, as pessoas são diferentes exclusivamente por diferenças físicas – numa visão antiga pelo tamanho do crânio, ou atualmente pela genética. Ou se nasce, ou não se nasce.

 

Qual a consequência disso? Se você acredita que tem uma determinada quantidade de inteligência ou uma determinada personalidade fixa, você se esforça para provar que é uma quantidade saudável e uma personalidade boa. Cria a urgência da pessoa se provar, constantemente, pois o que você mostra hoje é o que você é. Em tudo o que você faz, você se sente julgado – parecerei inteligente ou burro, serei aceito ou rejeitado, serei um vencedor ou perdedor? Isso limita nossa capacidade de inovar, assumir riscos, nos desenvolver e também de enxergar nossa capacidade real. Assim como nos leva a dizer “o trânsito estava horrível” quando chegamos atrasados.

 

Somos mutantes

 

A Mentalidade de Crescimento, por outro lado, é a crença de que o que foi dado a cada um pela genética é simplesmente o ponto de partida. Nossas qualidade básicas – tanto inteligência quanto personalidade – podem ser cultivadas através do esforço. As pessoas crescem e se desenvolvem pela aplicação e disciplina, pelo engajamento genuíno com algo.

 

Se esta é a crença, para que ficar se provando a todo momento se você pode melhorar? Por que gastar esforço escondendo suas deficiências se você pode se esforçar para superá-las? Por que se cercar de pessoas que só alimentam a sua autoestima se você pode estar com pessoas que lhe desafiam a crescer? Por que buscar tarefas que são confortáveis se você pode buscar aquelas que vão lhe esticar?

 

A paixão de abraçar as situações que lhe tiram da zona de conforto, mesmo quando, ou principalmente, elas não vão bem, é a essência da Mentalidade de Crescimento. Isso não quer dizer que qualquer pessoa pode se tornar um Mozart ou um Michael Jordan, mas quer dizer que o potencial de alguém é desconhecido enquanto ela não se aplicar seriamente.

 

Roteirista, diretor e ator

 

Ao acreditar que somos seres em evolução – isto é, nosso valor intrínseco não está limitado pelo o que somos ou fazemos hoje – assumimos nossos erros naturalmente sem sentir vergonha. Conseguimos ser protagonistas de nossa própria vida.

 

Protagonismo é quando assumimos a nossa parcela de responsabilidade. O trânsito de fato pode ter estado ruim, mas se encaramos o fato sentindo, pensando ou dizendo “eu me planejei mal”, “eu saí mais tarde do que deveria” ou “eu escolhi um caminho ruim”, puxamos a responsabilidade do nosso desempenho para nós. Fazendo isso, antes da próxima reunião nossa mente buscará alternativas para conseguirmos chegar no horário.

 

Começar as frases com o pronome na primeira pessoa, ao invés de usar frases com o sujeito indeterminado ou na terceira pessoa, pode parecer somente uma mudança gramatical, mas não é. Ela causa uma melhor preparação mental necessária para resolvermos os nossos problemas. Tem muita coisa sobre as quais podemos agir. Tem coisas que não estão no nosso controle, mas que nós podemos influenciar. E é verdade que tem coisas que nem influenciar conseguimos, mas podemos sempre nos planejar, nos preparar e fazer o melhor com o que temos.

 

Prática, prática e prática

 

Pesquisas comprovam que a Mentalidade de Crescimento é a correta – não por que traz os melhores resultados, mas pela própria condição física do cérebro humano. Nosso cérebro é plástico (você pode achar que o de algumas pessoas é de plástico, mas não é...), mesmo em adultos. Habilidades e até traços de personalidade podem sim ser alterados. E a boa notícia é que, seguindo a mesma lógica, a própria Mentalidade Fixa pode ser transformada numa Mentalidade de Crescimento.

 

Como? Prática consciente. Comece com um “pequeno” gesto. Na próxima vez que você chegar atrasado numa reunião, pense no que vai dizer antes de se desculpar. Numa próxima vez que as coisas não saírem como você esperava, reflita novamente antes de se manifestar. Na seguinte, mais uma vez... Com o tempo, a Mentalidade de Crescimento e o protagonismo se tornarão cada vez mais naturais.

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