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Como se tornar um melhor ouvinte

Um executivo que conheço ficou bastante chateado quando recebeu um feedback direto de que ele não era um bom ouvinte. “Eu não sei por que as pessoas pensam isso de mim”, ele me disse. Compartilhei então com ele alguns conceitos e dicas que o ajudaram a entender o que de fato era um bom ouvinte, e a mudar. E você, gostaria de se tornar um melhor ouvinte também?

 

Diferentes níveis de escuta

 

Um dos maiores especialistas no assunto é o psiquiatra Mark Goulston, autor do livro “Just Listen” (AMACOM, 2009). Para se ter uma ideia de quão bom ele é, Goulston foi consultor de negociação da polícia ajudando a desarmar suicidas e sequestradores... através do poder da escuta!

Segundo ele, existem quatro níveis de escuta, que eu adaptei da seguinte forma:

 

1º) Escuta desinteressada: Você pode até estar deixando o outro falar e murmurando “uh huh” enquanto ele fala, mas seu interesse no que está sendo dito é pequeno. Às vezes você nem tira o olho do email ou sms e diz “pode falar que estou ouvindo”. Às vezes você está olhando para a pessoa, mas sua cabeça está em outro lugar. Provavelmente você está em silêncio só por educação ou por que você acha que é obrigado a escutar. Pode acreditar que esta “educação” é um “tiro que sai pela culatra”. Se a situação é importante para seu interlocutor, ele certamente perceberá, o que irá irrita-lo, desaponta-lo e/ou desmotiva-lo.

 

2º) Escuta defensiva: Esta é a escuta com a guarda levantada. Enquanto o outro fala você parece escutar, mas na verdade está preparando o contra-ataque. Você é rápido em reagir e devagar em refletir. É o tipo de escuta que levou Mark Twain a escrever “A maioria das conversas são monólogos com a presença de testemunhas”. Você pode pensar “mas eu deixei o outro falar”. Sim, é verdade, mas você de fato não o escutou. Se você age assim, tenha certeza de que lhe consideram uma pessoa difícil de lidar, pois cansa falar com você.

 

3º) Escuta resolutiva: Esta é a escuta orientada a resultados. O que lhe importa é resolver algum problema, assim você escuta para avançar as coisas. Você escuta objetivamente ao que importa para o problema que se tem pela frente – outros temas (incluindo temas sobre o outro) que são trazidos pelo interlocutor, simplesmente não são captados pelo seu radar. Se as pessoas querem as suas soluções, esta abordagem funciona. Mas elas se sentirão frustradas e mal compreendidas se você oferecer “soluções” que elas não desejam ou precisam.

 

4º) Escuta conectiva: Esta é a escuta mais elevada, a escuta humana que todos nós buscamos. É escutar o outro para descobrir o que está se passando dentro dele. É escutar nos termos dele, não nos seus. É compreender de onde as pessoas estão vindo para criar uma conexão genuína.

 

Ao apresentar este modelo para o executivo que havia recebido o feedback de mau escutante, mas não entendia o motivo, ele finalmente compreendeu, ao reconhecer que na maior parte das vezes praticava os níveis um a três. Escutar para, em primeiro lugar, conectar, não era um hábito dele. Dominar a arte da escuta de nível quatro não é fácil, por que o que nós ouvimos é facilmente distorcido por nossas próprias necessidades, experiências e objetivos, mesmo quando nossa intenção é boa. Frequentemente ouvimos o que significa para nós, não o que significa para eles.

 

Precisamos resistir à vontade de nos defender, de nos explicar, ou de oferecer soluções prontas, e não devemos pré-julgar as necessidades do outro (que podem ser diferentes do que você imagina). Para ser um excelente escutante, o primeiro passo é ter a intenção de escutar para se conectar, escutar para aprender sobre o outro e o assunto em pauta.

 

É perguntando que se escuta

 

Escutar bem não significa ficar em silêncio o tempo todo. Se você tem interesse genuíno no que o outro está dizendo, naturalmente lhe surgirão perguntas para fazer, por que você quererá entender mais sobre o que está ouvindo.

 

Cuidado para não usar uma tecnologia poderosa “para o mal”: perguntas também podem disfarçar acusações, hostilidade ou cinismo, se este for o seu sentimento. Não adianta pensar “estou fazendo perguntas, então sou bom escutante”. Algumas perguntas conectam, outras desconectam. Na verdade, a mesma pergunta pode funcionar para o bem ou para o mal, dependendo da forma como você a coloca (tom, entonação, velocidade etc.).

 

Faça um experimento: imagine que alguém lhe disse algo que é diferente da forma como você pensa, e você ficou realmente curioso ou curiosa para entender os motivos por trás daquele raciocínio. Pergunte então em voz alta “por que você pensa assim?” e se escute. Agora, imagine que outra pessoa lhe disse algo que é diferente da forma como você pensa, mas desta vez você achou a ideia muito estúpida. Repita a mesma pergunta em voz alta – “por que você pensa assim?” – e se escute. Diferente, não? As nossas emoções e intenções são transmitidas pela nossa voz. Nós só seremos excelentes se fizermos perguntas para de fato querer aprender, pois a nossa intenção vai “embutida” na pergunta pela forma como falamos.

 

Você pode argumentar que as pessoas podem fingir interesse para disfarçar suas reais intenções ao fazer uma pergunta. É verdade, isso pode acontecer, mas, na minha experiência, esse fingimento protege os reais sentimentos e intenções durante um tempo muito pequeno, pois, ao longo de uma conversa mais longa e intensa, a máscara acaba caindo.

 

Supondo que sua intenção seja a correta, tecnicamente também existem perguntas melhores e piores. Boas perguntas costumam ser:

 

  • Perguntas abertas: perguntas que podem ser respondidas por “sim” ou “não” são perguntas fechadas e não costumam levar a grandes descobertas; perguntas abertas são aquelas que exploram os por que’s e os como’s;

 

  • Perguntas que tragam à tona as premissas e crenças por trás das ideias: você só entende o que o outro pensa quando você entende de fato por que o outro pensa daquela forma;

 

  • Perguntas que distingam os fatos das opiniões: em todo raciocínio podem entrar fatos e opiniões, e é saudável conseguir distinguir entre os dois. Quando fatos e opiniões estão misturados, generalizações são muito fáceis de acontecer – quando um caso vira “vários” e dois ou três viram “todo mundo” num piscar de olhos – o que pode levar a conclusões equivocadas.

 

Falando melhor se escuta melhor

 

Pode parecer estranho, mas é verdade: a maneira como você expressa as suas ideias influencia muito a maneira com você é percebido como escutante. Ao falar melhor, sua percepção de bom escutante melhorará junto. E o que significa falar melhor? Essas são algumas dicas:

 

Fale de si mesmo, não fale do outro: Frases começando com “Você fez (ou não fez)...” ou “Você deveria fazer (ou não deveria fazer)...” denotam uma visão unilateral. Quando você afirma que o outro “fez ou não fez” ou “deve ou não deve fazer” algo, isso energeticamente/psicologicamente é uma expressão de superioridade, de controle, até de ataque. Obviamente lhe coloca como uma pessoa fechada. A alternativa é você sempre falar de você mesmo – sobre como você viu os fatos, suas percepções, sentimentos etc. É a diferença entre dizer “você errou” e “eu não entendi por que você fez isso”; entre “você não fez aquilo” e “eu não vi aquilo feito”; entre “você me excluiu” e “eu me senti excluído”.

 

Explicite as suas próprias dúvidas e limitações de seu raciocínio: Quando temos uma postura autocrítica sobre o que pensamos, isso denota abertura de nossa parte. Mesmo falando, demonstramos estar abertos a escutar. Quando você faz isso, você cria um espaço e implicitamente está convidando o outro também a falar de si mesmo e mostrar as suas vulnerabilidades. Você aumenta as chances de criar empatia.

 

Convide o outro a melhorar as ideias que você tem: Você pode chegar para uma conversa com a postura “minha ideia é infalível” ou “minha ideia é o meu melhor pensamento até hoje e gostaria de suas contribuições para melhorá-lo”. Para ser um bom escutante, é como se você apresentasse suas ideias e imediatamente passasse para o outro lado da mesa para, junto com o outro, fazer uma análise crítica das suas próprias ideias. Os dois do mesmo lado. Obviamente você tem que se preparar e acreditar naquilo que está apresentando, mas “colocar suas ideias à prova” não significa falta de comprometimento com elas – isso significa sim 100% de comprometimento com o resultado final! Não importa quem é o autor da ideia final, vai mostrar que você quer fazer o melhor possível, junto com o outro.

 

Prática e disciplina

 

Ram Charan, guru da disciplina de execução, escreveu certa vez para o site da Harvard Business Review sobre a disciplina da escuta! Ele disse: “Nenhum hábito é quebrado sem disciplina, feedback e treino. [...] Crie o hábito de perguntar a si mesmo depois de interações se você entendeu a essência do que foi dito a você, o ponto de vista da pessoa, seu contexto e suas emoções. Também se pergunte se essa pessoa sabe que ela foi ouvida e compreendida”.

 

Além de questionar a si mesmo, você também pode pedir feedback direto para seus interlocutores. A habilidade de escutar é uma característica tão importante para a liderança atualmente que certamente isto será bem-visto – além do que, pedir feedback sobre como você tem escutado é em si uma prática de escuta!

 

Se você estiver tendo dificuldades, minha sugestão é concentrar-se primeiro na sua intenção. Você quer de fato escutar? Se a resposta não estiver tão clara, comece escutando a Ram Charan, “verdadeiramente escutar com empatia requer coragem – a vontade de deixar de ir velhos hábitos e abraçar os novos que podem, num primeiro momento, parecer tomadores de tempo e ineficientes. Mas, uma vez adquiridos, esses hábitos de escuta são as habilidades necessárias para tornar aspirantes a líderes em líderes verdadeiros”.

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