Enriquecendo o Pensamento Estratégico da Organização:
Como um líder de mercado absoluto enxergou o que poderia dar errado
O líder de uma unidade de negócios global estava preocupado num determinado momento que a divisão brasileira não estava considerando na profundidade necessária todos os riscos do negócio para tomar algumas decisões de investimento que tinham pela frente. Líder absoluta do seu segmento, como tinham sucesso fazia muitos anos, mantinham sempre um olhar otimista sobre o futuro. Mas ele pressentia que o ambiente de negócios naquele setor no Brasil estava mudando, e não percebia o time de líderes no Brasil sintonizados com essas mudanças.
O líder do negócio no Brasil, ao receber a encomenda de seu chefe, solicitou o meu apoio. Ele entendia a preocupação vinda de cima e tinha ainda mais uma. Disse que historicamente a discussão estratégica de longo prazo era feita por ele mais dois ou três integrantes de seu time somente. Os demais líderes se envolviam somente no planejamento anual, que era mais uma rodada de orçamento do que de estratégia. Ele achava que este processo pouco inclusivo contribuía para a preocupação de seu chefe, pois os demais líderes não estavam acostumados a pensar estrategicamente sobre a divisão como um todo. Eles olhavam quase que exclusivamente para dentro da empresa, e muito pouco para o ambiente externo.
Ele, o gerente de Planejamento e eu chegamos à conclusão que deveríamos utilizar a ferramenta do planejamento por cenários, envolvendo os 20 principais líderes da divisão. Isso atenderia à demanda do líder global e, ao mesmo tempo, capacitaria o time de líderes a olhar para fora da organização e para o futuro além do planejamento anual.
Desenhamos o processo em seis etapas: entrevistas, pesquisas sobre o ambiente de negócio, primeiro workshop, desenvolvimento dos cenários, segundo workshop e reunião final.
Meu objetivo era entrevistar a todos os 20 executivos convidados. Como acontece muitas vezes, executivos convidados a participar de um projeto do qual eles não tem muito conhecimento relutam em abrir espaço na agenda. Várias entrevistas foram desmarcadas três vezes, mas eu continuava insistindo. A preferência era uma entrevista presencial, a segunda hipótese por vídeo, e, em último caso, por áudio. Se eu abrisse mão da entrevista de alguém, significaria abrir mão desta pessoa no projeto. Para o processo, era muito melhor que o executivo fosse à entrevista de má vontade – onde ela conheceria o valor do projeto e poderia voluntariamente decidir participar – do que tê-lo de má vontade no workshop.
Acabei conseguindo entrevistar 19 pessoas, sendo 16 pessoalmente. Eu sempre abria as entrevistas perguntando sobre a história profissional do executivo, mostrando meu interesse verdadeiro na pessoa, e contando sobre a minha história de atuação com aquele cliente, a fim de criar uma base de credibilidade. Em seguida entrávamos no conteúdo.
Eu perguntava essencialmente sobre como tinha evoluído o mercado nos últimos cinco anos, quais eram as tendências e as incertezas que eles viam para os próximos cinco anos, que mudanças no ambiente externo seriam um sonho para eles e quais seriam pesadelos, quais eram as decisões estratégicas que estariam sobre a mesa nos próximos anos e quais eram na opinião de cada um os pontos cegos no pensamento estratégico da divisão. Eram conversas que duravam aproximadamente 90 minutos.
Alguns poucos eram pensadores estratégicos “natos” já habituados com essas reflexões. A maioria, porém, se sentia desafiada e convidada a pensar sobre o futuro da divisão como um todo, o que era uma novidade para eles. Era comum após uma pergunta a pessoa parar para pensar para responder. Às vezes, eu percebia que ela se sentia constrangida com o silêncio e então eu fazia algum comentário rápido valorizando a reflexão que ela estava fazendo, e voltava a deixar o silêncio permear.
O objetivo das entrevistas foram todos alcançados: ter os executivos entendendo e motivados com o projeto, já provocar um primeiro pensamento estratégico, criar uma relação comigo como facilitador e mapear os temas de negócio críticos para o futuro na visão de cada um.
As entrevistas levantaram uma enorme gama de temas que mereciam ser pesquisados para aumentar e nivelar o entendimento de todos sobre o ambiente externo e as decisões críticas do negócio. O mapeamento das entrevistas mostrou as áreas onde existiam maiores gaps de conhecimento e divergências de opinião. A equipe de planejamento e eu mergulhamos então em pesquisas, relatórios, projetos de consultoria e conversas com executivos de outras áreas da empresa para levantar uma série de informações históricas e estimativas de tendências futuras, considerando tanto o ambiente externo mais amplo (aspectos econômicos, sociais, políticos, regulatórios etc) quanto o ambiente competitivo (clientes, concorrentes atuais, novos entrantes, fornecedores, novas tecnologias, produtos substitutos etc).
O primeiro Workshop teve dois dias de duração. A sala tinha um círculo central e espaço para pequenos grupos em volta. Abri o workshop mostrando imagens dos acidentes do Titanic e da Challenger, e indagando por que os acidentes aconteceram. Após alguns comentários, perguntei se poderiam ter sido evitados, e como. Os comentários levaram ao ponto que eu queria – em ambas as situações haviam informações nas “organizações” de que os acidentes poderiam ocorrer, mas não havia conversação estratégica livre e honesta entre as pessoas. Mostrei em seguida frases da Decca Recards renegando os Beatles e da 20th Century Fox renegando a televisão, e indaguei novamente – por que essas oportunidades haviam sido perdidas? Imediatamente responderam que também deveria ser por falta de conversações estratégicas. Mostrei em seguida um pódio com um “ponto de interrogação” em 1º lugar, outro “ponto de interrogação” em 2º, e finalmente, um “ponto de exclamação” em 3º, dizendo que aquela era a essência do projeto – quanto mais e melhores indagações fizéssemos, tanto melhor.
Para começar a praticar as indagações, e garantir a percepção de relevância de todo o projeto, começamos identificando as decisões estratégicas que a divisão precisaria tomar, atualmente ou num futuro próximo. Fizemos discussões em pequenos grupos, então o compartilhamento e a priorização em plenária. Ficou claro para todos que o projeto iria atender não somente a uma solicitação do líder global, mas também seria útil a eles.
O próximo passo foi eu explicar em detalhes a metodologia do planejamento por cenários a partir de exemplos reais, para que compreendessem a jornada que estavam iniciando. O restante do dia depois foi a apresentação e discussão de todos os materiais levantados sobre o ambiente externo. Mostramos os temas mencionados nas entrevistas e, para cada um deles, trouxemos fatos e números para questionar ou validar as percepções que eles tinham. Neste momento era importante que a discussão acontecesse em plenário, para podermos identificar e resolver percepções divergentes. Quando uma possível divergência de opinião aparecia sobre o que tinha acontecido ou estava acontecendo no momento do ambiente de negócio, eu facilitava o diálogo até a resolução da divergência. Quando, porém, apareciam opiniões diferentes sobre o que iria acontecer no futuro, eu celebrava e pedia para que guardassem as opiniões como estavam porque certamente eles se acomodariam em diferentes cenários de futuro. Neste processo também haviam momentos de silêncio, que eu tratava com naturalidade.
O segundo dia foi dedicado a desenhar um primeiro rascunho do conjunto de cenários futuros, isto é, os ambientes futuros alternativos onde as decisões daquele momento de fato se desenrolariam. A premissa da metodologia é que você não consegue prever o futuro, mas você pode sim imaginar alguns futuros alternativos, plausíveis e relevantes, e exercitar o planejamento para cada um deles primeiro antes de tomar a decisão do planejamento real. Foi um dia de exercitar a criatividade e o pensamento crítico em grupo. Ao final do dia, eles consensaram quatro cenários de futuro alternativos para os sete anos seguintes. Um dos cenários naturalmente era o mais parecido com a continuidade do status quo, mas os outros três cenários traziam ideias diferentes de ameaças (principalmente) e oportunidades que poderiam ter pela frente.
A etapa de desenvolvimento dos cenários significava pegar os rascunhos criados pelo grupo e, através de novas análises e pesquisas, transformá-los em histórias completas, contadas a partir do futuro. Dois executivos se voluntariaram a apadrinhar um cenário cada um sob a minha orientação, e eu escrevi os outros dois. A equipe de planejamento contribuiu fazendo o cálculo da numerologia de cada cenário e levantando outras pesquisas necessárias para dar credibilidade às histórias.
Um pouco mais de um mês após o primeiro Workshop, realizamos o segundo, também de dois dias. Relembramos as decisões estratégicas que estavam sobre a mesa e o propósito maior do projeto, e já mergulhamos na análise dos cenários completos desenvolvidos. Os cenários foram lidos individualmente, cada um registrou suas sugestões de melhoria e os pontos mais importantes foram discutidos em plenário. Aprovados os cenários, passamos para a discussão das suas implicações e das escolhas estratégias em cada um deles. Assumíamos que um determinado cenário seria o futuro, e discutíamos o que este cenário significaria para a empresa em diversas dimensões, e depois quais eram as melhores respostas para as decisões estratégicas colocadas na mesa. Depois repetíamos o raciocínio para os outros três cenários. Fizemos isso em quatro grupos em paralelo, utilizando templates em flipchart que foram sendo colados na parede. Ao final, cada grupo compartilhou e se discutiram as diferenças de percepção até a busca de consenso. Um integrante da equipe de planejamento anotava tudo para os grupos terem uma folha resumo já no dia seguinte para continuarem o trabalho.
O segundo dia era voltar para o presente, assumir que o futuro era imprevisível, e tomar as melhores decisões. Novamente utilizando templates e flipcharts, trabalhamos em quatro grupos separadamente que depois compartilharam. Durante as discussões dos pontos comuns e divergentes entre os grupos, ficou claro para todos que, para algumas decisões, eles ainda precisariam de um pouco mais de tempo para algumas análises. Dividiram-se então as decisões em três grandes blocos e os times para cada uma delas. Marcou-se então um novo encontro de meio dia para dentro de 3 semanas.
Neste novo encontro, cada time terminou a sua preparação, as sugestões de decisão foram compartilhadas, mais uma vez discutidas e finalmente consensadas. Ainda ficou pendente o horizonte de tempo de algumas delas, que seriam motivo para novos estudos. A partir daquele ponto, os projetos de implementação das decisões foram adicionados à lista de projetos estratégicos acompanhados pelo comitê de liderança.
Na avaliação final do projeto, os participantes reconheceram que passaram a ter uma visão estratégica mais rica sobre os desafios e riscos do negócio. De certa forma, ganharam também mais gosto pela reflexão estratégica que a pressão do dia-a-dia os dificultava ter.
