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Criando a Cultura que se Deseja:

Em 100 anos muitas coisas mudarão, mas o cerne da cultura não

Uma empresa familiar, entre as 100 maiores empresas do Brasil, estava preocupada em ajustar, fortalecer e perenizar a sua cultura organizacional em um momento de crescimento e transição da gestão entre a primeira e a segunda geração.

 

A empresa sempre foi reconhecida por ter uma cultura forte, mas nos últimos anos sentia que esta cultura havia se diluído dado o seu crescimento acentuado, tanto orgânico quanto através de aquisições.  Com foco no futuro, o fundador gostaria que a cultura se perenizasse, mas havia a questão óbvia: “qual cultura?”, uma vez que os valores da empresa nunca haviam sido formalizados. Fui convidado então para contribuir no processo de identificar, explicitar e tornar comum esta cultura.

 

O processo começou com entrevistas com os 15 principais líderes da empresa. Nestas entrevistas, eu explorava a visão de cada um sobre a essência da cultura até aquele momento, e eventualmente o que precisava ser diferente para o futuro. Nessas conversas, sempre que eu percebia alguma hesitação do executivo ao falar sobre algum aspecto da cultura, eu espelhava esse sentimento e indagava sobre suas razões. Apesar de que a definição da cultura desejada em última instância seria do acionista fundador, meu objetivo era que todos na alta liderança se sentissem verdadeiramente escutados para que tivessem a cultura como sua, mesmo se não se sentissem 100% confortáveis com um aspecto ou outro. 

 

Entrevistei também alguns colaboradores da linha de frente da área comercial como também da operacional, pois o que fosse forte da cultura estaria presente nos locais mais perto do cliente assim como nos locais mais distantes do acionista. Entrevistei ainda alguns parceiros externos, pois, muitas vezes, o “peixe não enxerga a água”, e assim executivos próximos mas não dentro poderiam ter algo a adicionar. Finalmente, realizei um mini workshop com colaborares formadores de opinião de todas as áreas da empresa. O objetivo aqui já era duplo: por um lado, confrontar opiniões de diferentes áreas para ver o que eram traços culturais funcionais e o que permeava toda a empresa; por outro lado, esses formadores de opinião saíam do mini workshop imbuídos da tarefa de compartilhar em seus círculos o esforço da empresa de formalizar a sua cultura para se perenizar, o que já começava a preparar a organização para a etapa posterior de tornar única a cultura.

 

A última entrevista foi com o fundador. Ao invés de começar com “uma página em branco”, aproveitei para testar todas as ideias surgidas até então. Apresentava cada uma das características mapeadas em um cartão, e pedia para ele reagir ao que estava sendo proposto, eliminando o que não fazia sentido e montando um “ranking” de importância entre os temas relevantes.

 

Terminadas as entrevistas, foi criado o que chamamos “Grupo de Cultura”, que incluía dois executivos que tinham acompanhado o fundador desde o início, dois executivos recentes, um consultor que já apoiava várias iniciativas na empresa e um acionista representante da segunda geração.

 

Sintetizei tudo o que ouvi e propus a eles uma primeira versão a ser discutida. Ao longo de vários encontros, juntos fomos lapidando a descrição da cultura a ser perenizada. Tanto eu quanto o outro consultor cuidávamos para que as discussões fossem suficientemente profundas. Nós frequentemente indagávamos sobre as escolhas das palavras, pedindo exemplos e consultando o dicionário quando necessário, para garantir que cada palavra tinha o sentido desejado. Se havia algum assunto de negócio urgente que estivesse atrapalhando a concentração no tema, remarcávamos a reunião. Nos primeiros encontros alguns integrantes mostravam um certo desconforto com a lentidão do processo, mas, quando perceberam que o produto que estavam produzindo só seria possível de ser criado com aquele cuidado que estava sendo dispensado, eles se renderam. Ao final foram 6 encontros ao longo de quase 3 meses que duraram entre 2 e 4 horas cada um.

 

O produto final foi a identificação e a descrição em um parágrafo cada de 16 valores, crenças ou princípios organizados em 5 temas. Pronto o conteúdo da primeira versão, foi preparado um folder com uma linguagem gráfica que ajudava na compreensão e fixação dos elementos.

 

O folder – ainda apresentado como um rascunho – foi então distribuído aos 15 principais líderes para avaliação. Ao invés de reagirem e darem suas sugestões por e-mail, agendei reuniões individuais com todos para poder explorar as suas percepções. Nesses encontros, pedia para compartilharem a primeira impressão que tiveram quando leram o material, suas impressões sobre o conjunto dos valores, princípios e crenças, e posteriormente pedia para comentarem a descrição de cada um deles. Mais uma vez eu prestava atenção em qualquer sinal de desconforto e, quando apareciam, explicitamente ou não, eu procurava entender e avaliar o quão crítico eles eram. Para a construção da versão final, eu iria combinar eventuais sugestões de 15 pessoas, e para isso era importante eu entender os motivos por trás de cada sugestão e saber o quão importantes elas eram para cada um – e felizmente não havia comentários ou desconfortos que fossem inviabilizar um consenso genuíno.

O folder também foi testado com aproximadamente 20 trainees de diversas áreas que não haviam participado do processo até o momento. Como um “público alvo” importante do documento, e olhos frescos recém ingressos na organização, eles avaliaram a clareza e a força das mensagens, e pequenos ajustes no texto também foram feitos a partir de suas contribuições.

 

Ao longo do processo ficou claro para mim, e provoquei esta discussão com os líderes nesses encontros individuais, que esses 16 elementos poderiam ser agrupados em elementos que estiveram presentes na história da empresa mas que atualmente precisavam ser resgatados, elementos que nunca estiveram presentes mas que eram desejados para o futuro, assim como elementos que sempre estiveram presentes e só precisavam ser preservados.

 

A apresentação gráfica visual dos 16 elementos não fazia esta distinção, pois mesmo os elementos que não eram fortes na época mas que eram desejados para o futuro, um dia iriam se tornar presentes e já deviam ser apresentados como tal. Mas, nas apresentações verbais e conversas sobre o tema, esta distinção era sempre feita por dois motivos. Primeiro, essa distinção acomodava as preocupações e aspirações de ambas as gerações de acionistas e executivos. Para os mais velhos, o mais importante era resgatar o que havia sido perdido, enquanto para os mais jovens, o mais relevante era introduzir alguns novos elementos ausentes na cultura até o momento. Ao se reconhecer essa distinção, ambos ficavam satisfeitos. O segundo motivo era evitar o cinismo daqueles que viviam a cultura – quando o material fosse ser apresentado aos colaboradores, que viviam a organização e conheciam a realidade da cultura, ele deveria ser reconhecido como a “cultura desejada”, com elementos já presentes, outros a serem resgatados e outros praticamente novos. Se o material fosse mostrado integralmente como a cultura atual, isso certamente geraria cinismo.

 

A aprovação da versão final do folder foi feita em uma reunião de 2 horas com o Comitê Executivo. Na verdade, a aprovação já era dada como certa, e queríamos aproveitar o momento para engajá-los como líderes da cultura e desenharmos os próximos passos. A nova versão do folder foi entregue e eu pedi para eles contarem histórias que tinham vivido na empresa que representassem os diferentes elementos da cultura. Após uma sete ou oito histórias, comentei que elas eram referentes a diferentes elementos da cultura, mas que havia algo importante em comum entre elas. Facilitei uma discussão sobre o que havia em comum e o grupo concluiu o que eu esperava: o papel do líder dando o exemplo com o seu time. Convidei-os então a contribuir no desenho dos planos de comunicação, de capacitação e de adequação de sistemas e políticas em linha com a cultura desejada, de forma que os apoiassem como líderes da criação da cultura única.

 

Foi consensado entre eles que o primeiro passo seria um workshop com o próximo nível de liderança, em torno de 40 executivos, com a duração de 6 horas. O workshop começou com um dos executivos antigos, integrante do Grupo de Cultura, dando seu depoimento sobre a processo e a importância de se registrar a cultura desejada, e em seguida o acionista da segunda geração apresentando os elementos da cultura utilizando um grande painel na frente da sala. O objetivo foi mostrar que a primeira e a segunda geração estavam juntas no processo.

 

Em seguida, conduzi um trabalho em grupo para eles lerem o folder, anotarem e discutirem eventuais dúvidas e comentarem os 3 elementos com os quais eles mais se identificavam. Cada grupo comentou um pouco da sua conversa em plenário e cada executivo foi até o painel para registrar os três elementos com os quais mais se identificava. O exercício tinha um propósito: criar um ambiente em pequeno grupo onde eles pudessem conhecer e se expressar sobre o material, assim como criar um vínculo com o que era mais importante para cada um. A segunda dinâmica foi uma discussão em grupo sobre os pontos mais fortes e os mais fracos na cultura atual em comparação com a desejada. Mais uma vez fizeram uma discussão em grupo e cada um colocou os seus votos individualmente no painel. Discutimos então em plenária os pontos comuns e as aparentes divergências de percepção. O objetivo da dinâmica era eles perceberem sozinhos que haviam gaps entre a realidade e o desejado, e que existiam os três tipos de elementos que já comentei.

 

Depois de um intervalo, apresentei a foto de um homem vestindo um kilt escocês com o logo da empresa e perguntei: o que precisaríamos fazer para esta se tornar a nova vestimenta da organização? Em grupos eles discutiram e, quando compartilharam em plenário, eu registrava as sugestões dividindo-as em 4 flipcharts, mas sem explicar o motivo. Ideias esgotadas, pedi para eles lerem os flipcharts e identificarem como cada um deveria ser nomeado, o que não foi difícil de fazer. Assim, por conta própria, chegaram à conclusão de que para uma mudança cultural deveria haver ações de comunicação, ações de capacitação, alinhamento de políticas e sistemas e, mais importante, a atuação do líder, através do exemplo, do planejamento, do acompanhamento, da cobrança etc. Apresentei então as ações planejadas para os três primeiros temas – comunicação, capacitação e políticas/sistemas, e pedi para eles, desta vez em dupla, planejarem as ações que se propunham como líderes. Para encerrar o workshop, com a presença do acionista na sala, cada executivo subiu em um mini palco para afirmar verbalmente o seu compromisso como líder para a criação da cultura única, e deixava por escrito o seu compromisso colado no mesmo painel usado desde o início. A razão do exercício é que compromissos assumidos publicamente, seja em voz alta para uma plateia ou por escrito, criam marcas internas que ajudam a não serem esquecidos.

 

O próximo passo foi a realização de um conjunto de apresentações da Cultura a ser fortalecida e perenizada a todos os colaboradores da empresa, sempre lideradas pelos gestores da área ou unidade de negócio específica – isto é, os 15+40 primeiros líderes. Foram 8 reuniões, cada uma com aproximadamente 2,5h. Apesar de algumas terem sido reuniões grandes, para até 600 pessoas, elas foram desenhadas com momentos de participação e interatividade. Os colaboradores discutiam e compartilhavam os elementos que mais se identificavam e, no final da reunião, discutiam e compartilhavam seus compromissos pessoais para fortalecer a cultura.

Imediatamente também os elementos da Cultura foram inseridos nos instrumentos de comunicação interna e outros programas de apresentação da empresa, para que a mensagem fosse reforçada ao máximo.

 

Meses depois, eu conduzi Workshops de Cultura de 4 horas desta vez com todos os 300 gestores por todo o país, divididos em grupos de 15. Esses workshops eram baseados na identificação de histórias dos participantes na empresa, mostrando cada um dos elementos da Cultura na prática, na identificação de fortalezas e gaps individuais, trocas de experiências e fortalecimento do papel de cada um como líder da Cultura em sua própria equipe. Meses mais tarde ainda, foi criado um Perfil de Competências baseado na descrição da Cultura desejada, e este perfil se tornou a base para as avaliações de desempenho.

 

Enfim, foi uma jornada de um ano e meio, que primeiro consolidou e explicitou o jeito de pensar e agir esperado das pessoas na organização, e em seguida mobilizou a liderança e todos os colaboradores para criar uma cultura única. Certamente só o tempo de fato dirá o quão sólido foi este início de caminho, mas a avaliação dos líderes é que eles começaram do jeito certo.

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